Sporting

O dia em que Alvalade transformou a sentença apenas numa lição (a crónica do Sporting-Arsenal)

Uma primeira “vitória”, uma segunda “vitória”, em busca da real vitória depois da vitória inicial. A estreia de João Pereira no comando técnico do Sporting deixou boas indicações num contexto muito particular, com os leões a golearem de forma natural o Amarante na Taça de Portugal num encontro onde fizeram tudo para que não houvesse sequer história. Agora, na antecâmara da receção ao Arsenal para a Champions, os “triunfos” tinham sido outros. Num plano mais individual, o facto de ter recebido autorização por parte da UEFA para falar como número 1 que é – embora por cá tudo esteja sempre dependente do certificado de treinador e seu respetivo nível. Numa outra vertente, a forma como a equipa Sub-19 venceu os ingleses na Academia e teve já a garantia de qualificação para os 16 avos da Youth League. Faltava o resto. E que resto, acrescente-se.

“Estou confortável, é um prazer estar aqui. Não há como esconder, o nível vai aumentar. Creio que estamos preparados. O Arsenal na Champions tem sete pontos, só tem um golo sofrido, é muito forte defensivamente. Certamente vai crir problemas no ataque. Dificuldades? A maior dificuldade é o pouco tempo que temos para treinar mas desportivamente é bom porque estamos em todas as competições. É dificil passar toda a informação mas vai ter que ser aos poucos. Espero que continuemos a ter pouco tempo para treinar”, frisara o novo treinador da formação verde e branca, que passou ao lado da permissão da UEFA depois das queixas apresentadas pela Associação de Treinadores (ANTF): “O pouco tempo que temos é para pensar como montar a equipa. No que toca ao resto, o departamento jurídico do Sporting está cá para responder”.

“Preocupei-me com a nossa estrutura, com a nossa equipa. O Sporting tem grandes jogadores, que estão a fazer uma fantástica campanha na Champions. O Arsenal também tem bons jogadores, individualidades. Tem pontos fortes, como nas alas. E, como toda a gente sabe, os esquemas táticos ofensivos. Mais pressão? Sinto pressão todos os dias e a exigência é diária, a cada treino, a cada exercício, a cada jogo. É assim a minha maneira de encarar. Com todo o respeito pelo Amarante, o Arsenal é outro nível. Mas preparei o jogo da mesma maneira, com o mesmo profissionalismo e objetivo, que é ganhar”, assegurou João Pereira.

Olhando para aquilo que fazia a equipa B e para o primeiro teste frente ao Amarante, o técnico mantinha o mesmo sistema tático e ideia de jogo criando outras nuances com cunho mais pessoal. Por exemplo, quando Francisco Trincão e Marcus Edwards jogavam em simultâneo com Ruben Amorim de início, era o inglês que ficava à direita e agora foi o internacional português a ficar nessa posição. Em paralelo, houve também um espaço para lançar mais dois jovens da formação na equipa principal, João Simões e Henrique Arreiol, para deixar um sinal a todos os outros de que a porta do elevador entre B e A está sempre aberta. Na maioria dos pontos de análise, houve uma continuidade do que era feito com o antigo técnico por opção própria.

“Retirar a identidade do Sporting é retirar a identidade aos jogadores e aquilo a que estão habituados. Sabemos que não vamos conseguir pressionar campo inteiro durante 90 minutos, nem nos jogos em Portugal se consegue. Vai haver momentos em que o adversário vai ter mais tempo a bola e vamos ter que escolher o momento certo para saltar na pressão mas queremos ter bola. Quem estava atento à equipa B sabia que a equipa técnica usava o mesmo sistema. Os princípios eram os mesmos. Temos a sorte de pegar numa equipa que já tem esses princípios, agora é com o tempo. Tudo o que seja para alterar é para melhorar e isso vai aos poucos e poucos”, explicara João Pereira, dizendo que falou com Ruben Amorim antes da estreia pelo Manchester United mas não sobre a preparação do encontro frente aos gunners, adversário de recordações boas na última temporada com uma eliminação nos penáltis após dois empates em 210 minutos de jogo.

Agora, tudo foi diferente. Diferente e por várias razões: o Arsenal “engoliu” o Sporting pela lição que trazia bem estudada com e sem bola, os leões nunca encontraram na primeira parte um plano B para ultrapassarem os bloqueios que encontravam no seu jogo e foram infelizes em momentos chave como sofrerem o 3-0 nos descontos da metade inicial e o 4-1 quando estavam por cima do jogo. No entanto, aquilo que seria quase uma sentença para João Pereira na estreia europeia tornou-se sobretudo uma lição pela forma como todos os adeptos se despediram da equipa com aplausos por aquilo que viram os jogadores fazerem. A primeira derrota na Liga dos Campeões teve números como não aconteciam desde a goleada do Manchester City em 2022, um jogo que Ruben Amorim revelou ter sido um dos mais importantes pela reação dos adeptos no final da partida. Agora, o novo treinador parte com isso para corrigir o pior arranque possível.

Os minutos iniciais tiveram alguns pontos de contacto com a partida frente ao Manchester City, com um ou outro pormenor técnico que poderia dar lugar a transições a perder seguimento e com alguns passes errados no primeiro terço a motivarem calafrios que se refletiam depois no estado de espírito de uma equipa que já estava ansiosa e mais nervosa ficava. Só mesmo uma vez houve um passe longo a descongestionar o trânsito de ponta no meio-campo leonino, num exemplo que deveria ter sido mais vezes seguido até para deixar os jogadores verde e brancos respirassem e assentassem mentalmente para depois encontrarem o seu jogo. Não foi isso que aconteceu, o Arsenal aproveitou: em mais um lançamento lateral na direita sem as marcações devidas, Ödegaard teve espaço para definir jogo, deixou Jurrien Timber em boa condição para fazer o cruzamento e o neerlandês fez o passe tenso para Gabriel Martinelli desviar na pequena área para o 1-0 (7′).

Só aí o Sporting entrou verdadeiramente no jogo. Teve mais posse, tentou ir rodando a bola entre os três corredores ainda que sem a velocidade necessária para criar situações de 2×1 ou 1×1 sobretudo à direita onde Geovany Quenda e Francisco Trincão conseguiam agitar o encontro quando eram chamados à ação, teve o mérito de por alguns minutos bloquear as tentativas de transição do Arsenal. No entanto, nunca nessa fase os leões criaram uma oportunidade. Edwards andou desaparecido, Gyökeres estava demasiado marcado, os alas estavam sempre bloqueados e não se integravam como necessário nos movimentos ofensivos, faltando aquele passe no último terço que “desmontasse” a organização defensiva contrária. Como um mal nunca vem só, o Arsenal foi eficaz: Bukayo Saka foi lançado nas costas de Maxi Araújo sem que Gonçalo Inácio estivesse na zona para tentar a dobra, conseguiu desviar à saída de Franco Israel e Kai Havertz encostou para o 2-0 (22′).

Saka ainda teve mais uma ameaça na sequência de uma transição, com uma diagonal para o meio que deixou de novo o lado esquerdo paralisado antes do remate para defesa de Franco Israel (31′), mas, com ou sem bola, o Arsenal controlava por completo as operações. Em posse, no seu jogo curto a passar sempre pelos pés de Ödegaard, os ingleses jogavam como queriam, onde queriam e quando queriam sem que o Sporting tivesse a capacidade de bloquear de forma afirmativa esse estilo de jogo e, em paralelo, mostravam a lição estudada pela forma como iam alternando momentos de pressão mais alta em que deixavam os centrais ter bola com bloqueios de todas as linhas de passe e fases em que baixavam linhas para retirarem a profundidade ao “perdido” Gyökeres sem que os leões tentassem outras formas de sair que trouxessem maior eficácia. Quando isso aconteceu, Maxi Araújo encontrou Quenda para o remate defendido por David Raya para canto (42′). Problema? Antes do intervalo, após um canto de Rice à esquerda, Gabriel Magalhães fez o 3-0 (45+1′).

Anular dois golos de desvantagem frente ao vice-campeão inglês não é fácil, três torna tudo mais difícil e era uma missão aparentemente impossível. Era mesmo mas, durante pouco mais de 15 minutos, a esperança foi fazendo algumas aparições em Alvalade: Morita deu o mote ao arriscar uma meia distância em zona central para defesa de David Raya para canto (46′), Gonçalo Inácio reduziu para 3-1 na sequência da bola parada marcada por Maxi Araújo à esquerda com desvio ao primeiro poste (47′) e Gyökeres teve logo de seguida um livre perto do limite da área que atirou com muita força mas também muito por cima (50′). Aí, quase só havia Sporting em campo, deixando aquela sensação de que mais um momento de felicidade poderia relançar de vez o encontro. No entanto, o balanceamento também expôs mais a equipa no plano defensivo, com Martin Ödegaard a sofrer falta na área de Diomande e Saka a acabar de vez com a questão de penálti (65′).

A partir daí, tudo estava acabado e o encontro entrou algumas vezes em fases mais incaracterísticas em que as equipas ficavam partidas. David Raya evitou mais um golo de Hjulmand, num remate de fora da área que foi desviado para campo (72′), Trincão viu uma tentativa que desviou em Gabriel Magalhães passar a rasar a trave (74′) mas o último golo da noite seria mesmo para o Arsenal, com Mikel Merino a atirar para defesa incompleta de Franco Israel e Trossard a fazer a recarga sozinho na área para o 5-1 (82′). Até ao final, Viktor Gyökeres, que teve uma daquelas noites que deixam os avançados à beira do desespero, teve uma arrancada desde o meio-campo pressionado por Saliba para disparar uma bomba ao poste (86′) mas o resultado não mais se iria alterar, com os leões a saírem de campo debaixo de aplausos por tudo aquilo que conseguiram fazer no segundo tempo em busca de uma noite melhor mas que começou torta e nunca se endireitou.

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