Lage contra a lógica, o Benfica contra si próprio

Identidade continua a ser de equipa de transição, mas a maior parte das decisões são ainda contranatura
É mais ou menos público que a minha opinião sobre Bruno Lage é que, numa visão macro, não é o treinador certo para o Benfica. Por muito que lhe reconheça dedicação e até um certo lado estratégico que tenho por hábito valorizar
Não é um técnico emblemático, um treinador de projeto, mas mais um de circunstância, como o foi das duas vezes em que foi chamado a ser o responsável pela primeira equipa dos encarnados. É verdade que estes também há muito primam por não ter realmente um projeto e aqui até se pode dizer que a lógica impera, mas não a razão.
Passemos aqui as atenuantes: é o início do campeonato, ganhou a Supertaça ao bicampeão depois de ter lutado por todas as competições na última temporada, ganhando a Taça da Liga; não teve pré-época adequada; jogou à sexta-feira e não houve tempo para preparar o jogo com o Santa Clara; os reforços e os outros não se conhecem. Tudo certo. Mas há o resto. Não só Lage continua a ser um treinador de contra-ataque, confortável quando lhe dão espaço, precisamente o que as equipas que defrontam as águias não querem dar, como o técnico gosta de desafiar a lógica, o que coloca o Benfica contra si próprio.
No mercado, chegaram dois laterais, Dedic e Obrador, e Dahl assumiu o lugar de Carreras. A dinâmica e apetência ofensiva do bósnio mudaram o centro de gravidade para a direita, tornando-o, tal como era o espanhol, com outros argumentos, um dos primeiros desequilibradores da equipa. Depois, entraram dois médios, Enzo e Ríos, com o objetivo de fazer subir os níveis de agressividade nos duelos, e aumentar a qualidade da organização (com o argentino) e a de transporte (com o colombiano). Na frente, Ivanovic juntou-se a Pavlidis, Henrique Araújo regressou e Lukebakio será o sucessor de Di María no flanco direito, mas sobretudo na condição de condutor de transições e no salto para o 1×1, em vez de lançador. Finalmente, Sudakov oferece o toque de criatividade necessário.
Ou seja, na janela de verão, o Benfica apostou em 4 elementos de transição e desequilíbrio individual (Dedic, Ríos, Lukebakio, Ivanovic), e dois de organização, sendo um ainda numa primeira/intermédia fase de construção (Enzo) e outro sim para o último passe (Sudakov). Se considerarmos que Schjelderup e Aursnes são os únicos no onze habitual com algumas características para o ataque posicional, ao qual a equipa estará obrigado em quase todos os jogos da Liga, volta a parecer curto. Na realidade, parece um plantel construído para a Liga dos Campeões e o papel de underdog, quando haverá a necessidade de recuperar o domínio a nível interno. Um plantel totalmente alinhado por equipa técnica e direção, como assumiu Bruno Lage.
Se houvesse dúvidas como este quer jogar, o mercado complementou-nos a resposta. Quando não houver espaço, não será o coletivo a descobri-lo, mas sim as individualidades. É a minha leitura.
Depois, há aqui decisões que não abonam em favor do treinador. Se Tomás Araújo é o melhor a construir desde a primeira linha, seja no passe curto ou no longo, porque lhe pede para dar largura no ataque posicional, onde dificilmente fará a diferença. Se Pavlidis é melhor a ligar com o meio-campo porque é Ivanovic quem faz esses movimentos, lembrando, de certo modo, o que aconteceu com Raúl de Tomás no ano do descalabro após a conquista do título. Tal como achou antes quando esteve perante resultados adversos, Lage acredita que dois homens na área sem haver quem os alimente será suficiente para chegar ao golo.
E, já agora, em que medida retirar Ríos para colocar Barreiro aproxima a equipa do controlo do jogo? Sem bola, isso torna-se impossível. E não é apenas uma fezada, o técnico já o fez várias vezes. É Lage contra a lógica, contra si próprio, o que prejudica claramente os encarnados. Claro que pode melhorar e tal até deverá acontecer, mas a longo termo a questão é bem mais estrutural. E os sinais de evolução, ainda que com outros jogadores, ao longo destes meses, praticamente não existem.
P.S. Outra coisa que o mercado não resolveu mais uma vez foi uma possível remodelação do eixo da defesa. O que nos leva novamente a Otamendi. Já escrevi várias vezes que o ciclo do argentino há muito terminou. Percebo que os adeptos e até colegas valorizem a generosidade física, mas um central de equipa grande é sobretudo alguém que posiciona muito bem, tem boa qualidade de construção e, sobretudo, abordagens eficazes. Como diria Cruijff se ainda fosse vivo: ‘se estiveres sempre a correr de um lado para o outro é porque estás mal posicionado’. Além disso, a braçadeira eleva a fasquia. O argentino não é um exemplo em nada disto. Aquele erro — foi só mais um —, custou dois pontos ao seu clube. E as desculpas de nada servem se não mudar de abordagem. O que, com a idade que tem, nunca irá acontecer.