João Neves sonha como uma criança
O meu filho pediu recentemente a nova camisola do Benfica. Não porque goste muito de equipamentos, ou que tenha sequer reparado nas mudanças de uma época para a outra. Só porque quer uma camisola do Benfica. As crianças têm sempre os argumentos mais simples.
A dificuldade veio a seguir, quando lhe perguntei de que jogador seria a camisola. Já todos tivemos 8 anos e conhecemos o orgulho em ter o nome de um ídolo atrás. «Rafa, 27», disparou ele, admirador das diabruras do avançado e especialista em decorar números de qualquer plantel. Rafa passou muitos anos no Benfica e para o meu filho já tinha lugar eterno na equipa. Lamentamos, mas já não está disponível.
A segunda opção também foi óbvia: «João Neves, 87». Claramente, não tem lido notícias suficientes. A mais de um mês de fechar o mercado, optámos então por empurrá-lo para o próprio nome na camisola e um número que diz mais aos pais do que à geração dele: o 10. Mas o bom gosto foi notado, muito bem.
Quem tem filhos pequenos sabe a complexidade de tentar mantê-los mais interessados em João Neves, Francisco Conceição ou Gyokeres do que em Mbappé, Neymar e Bellingham. Os astros com milhões de seguidores nas redes sociais sobrepõem-se ao interesse pela Liga portuguesa e ver 90 minutos de um jogo chuvoso desta à segunda-feira à noite é coisa que dispensam.
O que também não ajuda é que raramente um João Neves, Francisco Conceição ou Gyokeres fica épocas suficientes no Benfica, FC Porto ou Sporting para agarrar as nossas crianças (e os adultos, já agora). É fácil gostar de um jogador com qualidade, mas já é difícil que eles se elevem ao estatuto de ídolo se todas as épocas for preciso encontrar um novo.
Sem Rafa e João Neves, o meu filho vai ter de o fazer, usando o próprio nome na camisola – e que não me peça uma nova quando o descobrir, porque é provável que ele saia rapidamente e os equipamentos não são baratos.
Enquanto isso, todos sabemos que os três grandes têm de vender para sobreviver e que há propostas que são irrecusáveis. Parece ser o caso de João Neves, cuja proposta de renovação feita pelo Benfica podia ter dado muita discussão até se saber quanto vai ganhar no PSG. Não dá para lutar contra isto.
Os adultos especializaram-se em contas, equilíbrios orçamentais, salários brutos e líquidos, percentagens do passe e bónus por objetivos e, nalguma fase deste processo, habituaram-se a este fosso gigante que se criou entre Benfica, FC Porto e Sporting e os cofres sem fim de outros clubes, com tão pouca história europeia.
Somos mais realistas, mas também muito mais aborrecidos do que as crianças. Só nos resta resmungar contra camisolas do PSG.