Recolhia lixo, jogou no Campeonato de Portugal e agora brilha na Champions: “Mentia a mim mesmo
Alexsandro Ribeiro chegou ao Lille há três anos, quando Paulo Fonseca orientava a equipa francesa, e agora é uma das figuras da equipa destacando-se na Liga dos Campeões. Curioso é que o Lille o foi buscar à II Liga, após uma época no Chaves (e já depois de ter competido no Campeonato de Portugal pelo Amora e o Praiense).
A infância de Alexsandro não foi fácil e é feita de superação. Chegou a ser recoletor de latas e a mãe vendia artigos no “lixão” emj Duque de Caixas (um aterro sanitário), lutava para conseguir comer, praticamente como pai dos seus irmãos mais novos, e jogou ainda na formação do Flamengo ao lado de Vinícius Júnior. Esteve um ano sem jogar até ter uma oportunidade em Portugal.
“Sempre me reergui a pensar na minha família. A situação em que estávamos era muito precária, e eu queria tirar a família dessa situação. Mesmo que aquilo me entristecesse, me desanimasse, quando eu abria o frigorífico e não tinha nada para comer, abria o armário e não tinha um biscoito… Aquela situação que era negativa, eu transformava em positiva para me reerguer. Foi a falta de tudo, do básico, dentro da minha casa, que eu fiz como se fosse positiva. Eu menti a mim mesmo. Eu sabia que as coisas poderiam não acontecer, mas eu voltei a acreditar e fiz acontecer. Eu desisti, mas com as dificuldades que passei dentro de casa, eu tornei isso a minha força”, contou ao Globo Esporte.
O defesa do Lille recordou como se motivava: “Alex, não desista, ‘cara’. Você é capaz de realizar o seu sonho. Torne essa situação positiva em negativa. Agarre com todas as suas forças que você vai conseguir. Você vai realizar o sonho de dar a casa à sua mãe, de tirar a sua família dessa situação. Segue firme e acredite em Deus”.
Quando entrou na formação do Flamengo e jogou ao lado de Vinícius Jr., confessa que se iludiu: “Eu fiquei a viver num sonho. Foi por isso também que me atrapalhou um pouco na fase de adaptação, de maturação dentro do clube. O Flamengo é um clube muito exigente. Na altura, não tinham muitos jogadores da base a ir para o profissional. Eu queria chegar ao profissional, mas estava a viver aquele sonho. Eu sentia-me muito confortável, muito tranquilo. Foi uma das situações que me atrapalharam bastante, de estar a jogar na minha equipa do coração e acomodar-me muito.”
Depois do Flamengo, ficou um ano sem jogar até rumar a Portugal: “Foi o ano mais difícil da minha vida. Fiquei sem clube, estava desempregado. Estava a buscar um clube para poder mostrar o que sei fazer, mas nenhum clube conseguia ficar comigo. Eu estava com a mente muito positiva. Eu sou o irmão mais velho, tenho quatro irmãos. Eu não podia deixar essas coisas deixarem-me ir para baixo. No início eu via como aprendizagem. Depois de um ano e meio, eu não queria mais. Levei muitos ‘não’, fiquei muito cansado.”
Nesta fase fez vários biscates para sobreviver, trabalhou em obras, cortou relva, trabalhou em feiras, recolheu latas… Foi aí que apareceu Leo Percovich, treinador dos sub-20 do Fluminense, que o ajudou a ir para Portugal.
O reencontro com Vinícius Júnior na Champions, já a representar o Lille, foi vivido com emoção: “Quando estava no túnel para entrar em campo, do nada o Vini veio e deu-me um abraço. Disse ‘estou feliz por te ver aqui, irmão. Depois do jogo a gente conversa’. Aquilo encheu o meu coração de alegria e motivou-me ainda mais dentro de campo, o que foi um pouco mau para ele. Aquilo inspirou-me de uma forma muito grande. Ficámos 10 anos sem contacto. Eu vi-o com 14, 15 anos… Depois de 10 anos, vi dessa forma, a disputar a Bola de Ouro. Fico feliz por ele. Ele vem de uma situação difícil, em São Gonçalo, onde ele morava. Eu lembro-me do primeiro jogo dele, contra o Atlético Mineiro, e aquilo me motivou a avançar. Sem ele saber, ele motiva muitas pessoas. É um miúdo de ouro.”
Já com outro estatuto no futebol internacional, a dar nas vistas na Champions, Alexsandro Ribeiro sonha agora com chegar à seleção do Brasil: “Estou num momento muito positivo. Pouco a pouco, o meu nome está a expandir-se, o meu futebol está a chegar a todo o lado, inclusive no Brasil, que acho o principal. Continuando assim, tenho certeza que esse sonho vai tornar-se realidade. Mundial também, com certeza. Sei que está um pouco distante, mas é pensar no agora. Passo a passo, dia a dia, semana a semana, ir plantando e no final colher coisas boas.”